Antigamente sexo era um tabu: falar de sexo era pecado, era feio e ninguém falava. Hoje em dia, fala-se abertamente sobre sexo. Mas comer — e falar sobre comida — virou o novo tabu.”
Você já sentiu vergonha de falar da sua alimentação?
Já se sentiu ansioso(a) por pensar na comida, em ganhar peso… e/ou sofreu com episódios de comer compulsivamente?
Se disse “sim” para qualquer uma dessas coisas, você vai tirar muito proveito deste episódio de podcast.
Porque, hoje, trazemos a psicóloga Denise Lahutte para falar tudo sobre os complexos laços entre alimentação e o nosso lado emocional.
A gente fala de compulsão alimentar, ansiedade, COVID… e muito, muito mais.
Então, escute o podcast atentamente até o final.
Porque, assim, você vai saber exatamente:
- como uma psicóloga clínica passou a entender a importância da alimentação,
- por que “comida é o novo sexo”,
- a importância de tratarmos pessoas em vez de doenças,
- a dolorosa verdade sobre a compulsão alimentar (não banalize o diagnóstico),
- diferenças entre compulsão alimentar e bulimia,
- o que causa a compulsão alimentar (e o que fazer a respeito),
- o estranho trauma de infância do Guilherme com a comida,
- a comida, a culpa, e como isso tem mudado nos tempos modernos,
- por que o Brasil é um país de ansiosos (milhões de pessoas sofrem com isso — você é uma delas?),
- dieta low-carb causa compulsão alimentar?,
- jejum intermitente causa compulsão alimentar?,
- a pandemia do COVID e seus efeitos psicológicos,
- como a filosofia e a busca por sentido podem ajudar nossa evolução pessoal,
- quais as melhores maneiras de lidar com ansiedades, compulsões e gatilhos,
- como criar hábitos saudáveis para o corpo e para a mente,
e muito, muito mais.
iTunes | Google Podcasts | Stitcher | Spotify | YouTube
Siga a Denise em suas mídias sociais. Ela é mais ativa no Instagram: https://instagram.com/psicologadeniselahutte/;
A gente também está presente em várias mídias sociais.
Somo mais ativos nessas aqui:
- Instagram: https://www.instagram.com/senhortanquinho/
- Youtube:https://senhortanquinho.com/youtube
- Telegram: https://landing.senhortanquinho.com/telegram-cadastro-lista-vip-telegram-senhor-tanquinho/
- email: https://materiais.senhortanquinho.com/low-carb-cardapio
Abaixo você encontra nosso agradecimento aos apoiadores que possibilitam este projeto ser um sucesso.
E também a transcrição completa do episódio.
Para ser avisado de novos episódios, lembre-se de nos seguir no email e no canal do Telegram.
Tem episódios novos todas as segundas e sextas-feiras.
Conteúdo do post:
Obrigado Aos Apoiadores Do Podcast
Bem-vindo a mais um podcast do Senhor Tanquinho.
Somos Guilherme e Roney, e aqui a nossa missão é deixar você no controle do seu corpo.
Antes de irmos ao episódio em si, queremos agradecer aos apoiadores que tornam este projeto possível.
Apoiador #1 — Loja Online Tudo Low-Carb
Este podcast é um oferecimento da loja online Tudo Low-Carb.
E o que é a loja online Tudo Low-Carb? Bom, a tudo Low-Carb é uma loja que vende — como o próprio nome já diz — somente produtos que se encaixam numa dieta low-carb e cetogênica.
Lá você vai comprar de tudo, desde farinhas low-carb (farinha de amêndoa, farinha de amendoim, farinha de coco, farinha de linhaça), adoçantes (xilitol, eritritol, estévia), dentre muitos outros temperos e produtos naturais, feitos com comida de verdade.
O mais legal é que a gente conhece a dona da loja, Eliana, a gente já até a entrevistou aqui no podcast, e a Eliana nos garantiu que ela tá sempre procurando na Internet para garantir que a Tudo Low-Carb tenha os melhores preços dos adoçantes xilitol, eritritol e da farinha de amêndoa, que segundo a gente, são os ingredientes mais importantes se você quer fazer receitas low-carb.
Então, se esse é seu caso, se você quer comprar xilitol, eritritol e farinha de amêndoas com o melhor preço da Internet, é só você acessar a Tudo Low-Carb — porque lá é garantido que você vai encontrar.
E você pode aproveitar para comprar diversos outros produtos low-carb com qualidade.
Apoiador #2 — Medidor de cetonas Uaiketo
Esse podcast também é um oferecimento do Uaiketo — e o que é o Uaiketo?
O Uaiketo é um aparelhinho que serve para medir o seu nível de cetose através do hálito.
A gente achou muito interessante esse aparelho porque você pode saber o seu nível de cetose sem ter que furar o seu dedo ou fazer um exame de sangue para isso.
É um aparelho realmente revolucionário no mercado — e o mais legal é que o Uaiketo é uma tecnologia 100% brasileira.
O Iago, criador deste aparelho, entrou em contato com a gente, e a gente achou super legal divulgar essa iniciativa — é por isso que hoje o Uaiketo é um dos patrocinadores aqui do podcast.
A gente recomenda que você conheça esse aparelho, se a sua intenção é saber o seu nível de corpos cetônicos. É só acessar uaiketo.com.br.
Apoiador #3 — Nossos alunos do Guia Dieta Cetogênica
Este podcast só existe graças aos alunos do nosso programa VIP Guia Dieta Cetogênica.
O Guia Dieta Cetogênica é um curso em vídeo com todas as informações, passo a passo, para você seguir uma dieta cetogênica de sucesso.
E como bônus para você que escuta os nossos podcasts, a gente colocou dentro do programa, na área de membros especiais, todos os nossos livros e manuais digitais já publicados até hoje.
Então, são centenas de receitas. Tem também o nosso livro de apoio, com 120 dúvidas sobre alimentação saudável respondidas, com prefácio do Dr. José Neto, um livro super elogiado por profissionais como Dr. Souto, Dr. Rodrigo Bomeny, Danilo Balu e por vários e vários convidados que já passaram pelo nosso podcast.
E ainda tem tabelas, infográficos, textos explicativos, resumos em pdf, um grupo secreto no Facebook e muito, muito mais.
Então, convido você a conhecer o nosso programa Guia Dieta Cetogênica.
Transcrição Completa Do Episódio Com A Psicóloga Denise Lahutte
Guilherme: Fala, Tanquinho e Tanquinha, sejam bem vindos e bem vindas a mais um episódio do nosso podcast.
Hoje, trazemos como convidada a psicóloga Denise Lahutte. Tudo bem, Denise? Como você está?
Psicóloga Denise Lahutte: Oi, boa noite, tudo ótimo. Estou muito bem. Obrigada pelo convite, tô muito feliz de estar aqui com vocês.
Roney: O prazer é nosso em tê-la conosco, Denise.
E então, vamos começar perguntando para você se pode se apresentar para o pessoal que está ouvindo a gente, e também contar de onde surgiu o seu interesse pela psicologia.
Psicóloga Denise Lahutte: Então, em julho vai fazer 32 anos que eu sou psicóloga clínica — já é mais do que boa das pessoas tem de tempo de vida.
Eu sempre gostei, na verdade, de psicologia, sempre me interessei pelo tema, e foi paixão mesmo.
Sempre soube que eu queria trabalhar na área clínica, ajudando pessoas a se conhecerem, a lidarem melhor com as questões da vida, superarem as suas limitações, se aceitarem como podem, dentro do possível, terem compaixão por si mesmas.
É um trabalho que as pessoas dizem “ah, tu trabalha ajudando as pessoas”.
Mas eu acho que a gente cresce tanto, que é um trabalho de ajuda mútua.
À medida em que eu ajudo alguém, eu sinto que eu faço um bem muito grande pra mim também, então é uma troca muito rica, é uma profissão que possibilita que a gente esteja sempre estudando.
E sempre esteja com o olhar atento sobre as outras pessoas, podendo se colocar no lugar delas, desenvolver empatia.
Eu acho que é uma profissão que tem muito futuro também, acho que cada vez mais, sobretudo agora com esse período de pandemia, a gente vê o quanto está fazendo falta as pessoas poderem entender a suas emoções, entenderem os seus sentimentos, o que acontece com elas.
A própria questão da psicoeducação é uma coisa que a gente não vê: ninguém ensina a criança, nem adolescente e nem adulto a identificar sentimentos, identificar emoções e lidar com elas dentro da normalidade que é possível, então é um trabalho fascinante, e bastante desafiador também.
Como Uma Psicóloga Clínica Descobriu Os Caminhos Da Alimentação
Roney: Sem dúvidas, Denise, e como que você descobriu, assim, o seu interesse pela alimentação?
Que também a gente sabe que foi um dos tópicos, um dos assuntos do seu interesse.
Psicóloga Denise Lahutte: Sim, sem dúvida. É interessante, porque eu mesma, o final da adolescência, no início da idade adulta, eu comecei com oscilações de peso importantes.
E, como profissional da área da saúde mental, era uma coisa que sempre me intrigava.
Assim, fiz terapia há muitos anos, me considero uma pessoa razoavelmente tranquila, lido com as minhas coisas, mas essa questão dos altos e baixos, da oscilação de peso sempre me incomodou.
E aí descobri vocês, comecei a pesquisar low-carb, comecei a estudar mais sobre isso…
E vi a diferença que faz: o que comer para que tu tenha mais fome ou menos fome…
E aí também foi um caminho sem volta, quanto mais a gente estuda, mais quer estudar.
Observa os efeitos no próprio corpo da gente, nas pessoas com quem eu tenho trabalhado, enfim, eu acho que, apesar do Dr. Souto dizer que a nutrição é uma “zona livre de evidências”, eu acho que cada vez mais tá se formando uma corrente grande de pessoas que realmente estão abertas para pesquisa, que estão abertas para pensar fora da caixa.
Então, o meu interesse surgiu primeiro pelas minhas questões pessoais, depois também começaram a surgir pessoas para atendimento de psicoterapia comigo que também tinham essa temática muito presente, das oscilações de peso, dificuldades de lidar com o alimento.
O alimento como forma de compensar carências, deficiências — “comer sentimentos”, como a gente costuma trabalhar com as pessoas.
Comida É O Novo Sexo
Enfim, eu acho que as coisas andam muito juntas.
A psicologia e a nutrição elas não são dissociadas.
Eu tava conversando esses dias com uma pessoa, e a gente tava comentando que antigamente sexo era um tabu, falar de sexo era pecado, era feio e ninguém falava.
Hoje em dia, fala-se abertamente sobre sexo, mas comer e falar sobre comer e comida, virou o novo tabu.
As pessoas escondem o que elas comem, comem com culpa, comem com vergonha.”
Existem alimentos certos, existem alimentos errados, tem toda uma questão de dogmas antigos.
As coisas que vocês abordam com muita propriedade no trabalho de vocês, os paradigmas, comer de três em três horas; a base, a pirâmide dos alimentos, umas coisas dos anos 1970, que a gente não acredita que ainda estejam tão fortes.
A própria faculdade de medicina, eu tenho muitos colegas médicos, e a gente mantém contato, e eles mesmos ficam surpresos porque nutrição não é uma questão a ser tratada nos bancos universitários, quando se sabe que “tu és aquilo que tu comes”.
Tratar Pessoas, E Não Doenças
A origem da nossa saúde tá na alimentação, e também na nossa psique, na maneira como a gente lida com nossos sentimentos, é uma venda casada: as coisas acontecem juntas, elas caminham de mãos dadas, não são dissociáveis.
A maneira das pessoas verem, por exemplo, a medicina, como se via até muito pouco tempo atrás — eu acho que agora essa visão também tá mudando, que tá se vendo mais a medicina integrativa — é a mesma visão da psicologia.
A gente não pode tratar alguém que tenha um transtorno alimentar, a gente tem que tratar uma pessoa, a gente não trata um transtorno, a gente não trata ansiedade, a gente trata a pessoa que está tendo episódios de ansiedade recorrentes — ou que tenha um transtorno de ansiedade generalizada, por exemplo.
Essa visão do todo, a visão gestáltica ficou muito perdida por muito tempo, e acho que a gente tá conseguindo fazer um resgate interessante, assim, de ver a pessoa como um todo nas mais diferentes áreas e poder entendê-la, dentro daquilo que ela manifesta.
A Dolorosa Verdade Sobre A Compulsão Alimentar
Guilherme: Com certeza, Denise, acho que você levantou muitos pontos bacanas, e que a gente pode elaborar um pouquinho aqui ao longo da nossa conversa.
E você mencionou a questão de que a nutrição não está dissociada da psicologia, e certamente não estão.
Na verdade, a gente recebe muitos e-mails, muitos relatos de alunos, clientes, e leitores do site que mandam pra gente o seguinte.
“Poxa, eu li, eu entendi a teoria, comecei a seguir a dieta, estou tendo resultados, mas eu acabo saindo quando algo emocional acontece, quando eu fico ansiosa, porque eu tenho compulsão alimentar.”
Então, o que é essa compulsão alimentar?
Porque, ao mesmo tempo, a gente foi pesquisar também, conversamos com uma psiquiatra — e, na verdade, parece que o termo compulsão tá sendo jogado, assim, meio levianamente por aí.
Muitas vezes por pessoas que acabam dizendo isso, sendo que ele é um transtorno diagnosticado.
Então, como que a gente pode separar uma coisa da outra, o que é compulsão alimentar, o que não é, o que é um episódio isolado, como que funciona tudo isso que revolve ao redor desse tema?
Psicóloga Denise Lahutte: Sem dúvidas.
Esta é uma excelente dúvida, uma excelente preocupação de vocês em abordarem isso.
Porque, de uns tempos para cá, as pessoas têm a tendência de banalizar os diagnósticos.
Por exemplo, a pessoa diz “eu tô com estresse”.
Estresse também é um quadro clínico que exige vários critérios diagnósticos para ser considerado, esse transtorno.
E, da mesma forma, a compulsão.
As pessoas confundem, assim: “ah, fui numa festa, comi demais, nossa fiquei empanturrado, chegou a doer a minha barriga, eu tenho compulsão alimentar”.
E não é assim.
Por isso que essa dúvida é muito pertinente.
Então, para ter um diagnóstico de compulsão alimentar, alguns requisitos são necessários.
Em primeiro lugar, se entender que é uma perturbação do comportamento alimentar, ou seja: não é uma questão pontual que vai definir a compulsão alimentar.
Ela é caracterizada, basicamente, pelo fato da pessoa comer muito rapidamente, comer até se sentir muito cheio, muito enfastiado.
A pessoa come grandes quantidades de comida, normalmente sem estar com fome.
Normalmente, também come sozinha, porque ela tem vergonha da quantidade de comida que ela ingere, e da velocidade com que ela come, da falta de controle total sobre a forma como ela tá ingerindo.
E isso faz com que ela sinta repulsa por si mesma, pode ter quadros de depressão ou muita culpa associada.
E a frequência e a duração da compulsão alimentar, para ser considerada diagnóstica, ela tem que ter uma média de dois a três dias por semana, durante no mínimo 6 meses.
Quer dizer, a pessoa pode ter episódios de compulsão sem estar caracterizado como um transtorno de compulsão alimentar.
Não Confunda Com Bulimia
E outra coisa que tem que ver também, para fazer essa diferenciação é que para que haja esse transtorno, não pode haver métodos compensatórios envolvidos.
Quer dizer o que, a pessoa não pode fazer uso de laxativos, de vômito, um super treino para tentar compensar.
Porque essas características, essas medidas compensatórias, elas já são características de um outro quadro que caracteriza a bulimia nervosa.
Na bulimia, a pessoa tem essa ingesta também desse jeito que eu descrevi, mas que ela faz uso de medidas para tentar perder aquilo que ela adquiriu, ou evitar que adquira.
Tem alguns critérios e algumas características, as pessoas perguntam muito, assim, quais são as causas, qual é a causa da compulsão.
O Que Causa A Compulsão Alimentar
Não é uma causa única, são questões multifatoriais.
E ela pode ter origem em questões familiares, questões sociais, normalmente são pessoas que têm um grau de sofrimento importante associado, são pessoas que costumam ser muito exigentes consigo mesmas, elas são muito controladoras, são pessoas que se sentem muito culpadas por tudo.
É como se a culpa fosse uma companheira, andasse de mãos dadas com ela.
São pessoas que têm muita ansiedade, que a tentativa de descarregar na comida, de comer dessa maneira descontrolada, que é o episódio de tremendo descontrole, caracteriza muito a ansiedade.
Tem coisas que são mais típicas, daí que a gente começa a ver mais na clínica, mais no atendimento das pessoas: são pessoas que têm uma pressão interna muito grande, que se cobram demais, que estão sempre se cobrando.
Parece que vinte e quatro horas do dia não chegam para elas fazerem tudo o que elas se propuseram a fazer, com isso elas se sentem imensamente cansadas, exaustas.
Elas conseguem ter uma agenda, muitas vezes, gigantesca, tanto uma agenda externa quanto interna, elas não conseguem relaxar, elas estão sempre com alguma coisa para fazer, ou na sua agenda mental, delas terem por fazer.
Normalmente elas têm medos exagerados, estão sempre pensando em coisas catastróficas, ou vivendo na imaginação.
A gente costuma dizer assim, que a pessoa que tem ansiedade alta dificilmente vive no presente, ela está sempre vivendo no futuro.
O corpo dela pode estar no presente, mas a cabeça está no futuro, e isso faz com que ela antecipe coisas que boa parte das vezes nunca vão acontecer.
Então, ela acaba tendo medo da ansiedade.
Ela tem:
- medos gigantescos que podem ser impactantes e podem paralisá-la
- excesso de preocupações, e
- emoções desmedidas que busca controlar.
Então, ela tenta desviar disso tudo.
Ela tenta não enfrentar isso tudo — e busca alívio na comida.
O que acontece quando se tenta controlar demais, controlar tudo nos mínimos detalhes, às vezes pode vir ali como um rebote exatamente o episódio de tremendo descontrole.
E a gente vê que essa época em que a gente vive favorece muito para que isso aconteça.
É só a gente acessar qualquer mídia social, a gente vê assim que parece que todo mundo é feliz o tempo todo, o que é uma grande falácia, né.
Isso não acontece. E a gente tem pesquisas que comprovam que tem aumentado, inclusive, os casos de depressão, porque as pessoas se espelham nas mídias sociais, nos influencers…
E acham que realmente a vida de algumas pessoas é aquilo que está nas redes sociais, então isso faz com que elas se conectem com a própria vida real delas, e se sintam muito frustradas, muito ansiosas, muito insatisfeitas.
Parece que no mundo de hoje não há mais espaço para dor. E a dor é uma emoção genuína, é uma emoção válida, e a gente tem que se conectar com ela para a gente poder, exatamente, lidar com ela e superá-la.”
Sem ter que usar desses artifícios de descontar e achar formas de desvio, de se conectar consigo mesmo.
Então, a gente vê assim, que esses episódios de comer compulsivamente, o transtorno de comer compulsivo em si, ele diz muito respeito ao gerenciamento da vida das pessoas, não só da comida.
O quanto a vida dessas pessoas tá chamando para que elas resolvam alguma coisa, tá chamando para que elas tenham atitudes em relação a alguma coisa.
Por exemplo, o meu casamento não tá bem, ou eu tenho um problema muito grave com meu filho, mas é tão difícil me conectar com isso que eu tento trazer toda a minha vida controlada, cheia de horários, cheia, como se tivesse repleta de to do list.
E aí no final, quando eu não suporto mais eu preciso descarregar, e aí eu perco totalmente o controle, e normalmente isso se dá na comida.
Como vocês podem estar me acompanhando, é uma conjunção de fatores, não tem uma causa: às vezes as pessoas pensam “ah, pode ter uma causa de origem genética, de origem biológica?”
Pode, mas não necessariamente.
Tem muita gente, que nem o caso do alcoolismo, tem muita gente que é filho de alcoolista, mas não desenvolveu o alcoolismo.
É como alguns médicos trazem, que eu acho muito interessante.
A questão genética, um antecedente genético, é como se tivesse uma arma apontada para o teu peito, mas a maneira como tu lida com a tua vida e com as tuas emoções que vai apertar o gatilho ou não.
Então, tu pode ter uma carga genética muito forte, que poderia ser bastante determinante, mas, através de estilo de vida ela pode ficar bastante sob controle e não desencadear esse sofrimento todo que eu tô descrevendo.
Compulsão Alimentar: O Que Fazer
Roney: Perfeito, Denise. E você comentou que tem alguns tipos de diagnósticos para fazer, no caso de compulsão, e a gente sabe que muitas pessoas falam “ah, eu sou compulsiva quando como isso, ou sou compulsiva quando como aquilo”.
Como seria uma melhor maneira de encarar o quadro quando é realmente um transtorno de compulsão alimentar, e quando é uma compulsão momentânea ali de determinado alimento ou determinada circunstância?
E isso tem a ver com a influência que a pessoa pode estar passando no meio familiar, às vezes, ou no meio social?
Psicóloga Denise Lahutte: Com certeza, com certeza tem uma grande influência.
Eu acho que qualquer episódio não deve ser desvalorizado.
Quando a pessoa chega a ter um episódio, mesmo que seja pontual ou eventual, de comer assim dessa forma como eu descrevi, com essa intensidade, com essa rapidez, as pessoas nem sentem o gosto, elas não têm o prazer.
A gente vê que algumas pessoas que têm o transtorno, elas escondem comida dentro dos armários.
Às vezes escondem dentro do banheiro, é quase como se fosse, realmente, uma coisa, um pecado, uma coisa horrorosa que elas têm que esconder de todo mundo, mas, de certa forma, deixam pistas né.
Quando há um episódio isolado, eu acho que já é uma forma de a pessoa atentar o que tá acontecendo com ela.
Nada é à toa, nada é de graça.
Vocês imaginem alguém passar por tudo isso que eu descrevi, comer com essa velocidade, numa intensidade que chega às vezes a dar uma distensão abdominal, que chega a dar dor na barriga da pessoa, com vergonha, com culpa, engolindo quase que tudo inteiro, sem mastigar, sem sentir sabor.
Dá para entender que não há prazer nisso.
É diferente de tu ir numa festa, ah, tô com vontade de comer um churrasco, faz tempo que eu não como, e eu comi um pouco a mais, tô saboreando aquela carne, tô curtindo, tô gostando.
É completamente diferente comer demais numa situação, numa festa, num jantar, sei lá, vou na confeitaria que eu gosto e como o meu doce favorito, disso que eu descrevi.
Mas, eu acho que se surge uma situação pontual, ela não deve ser desconsiderada.
Eu acho que a pessoa deve ficar atenta e entender o que tá acontecendo.
Normalmente, as coisas não começam assim, do dia para a noite, a pessoa já entra num quadro, e já faz o transtorno.
O desenvolvimento é lento, a gente diz que é insidioso, ele vai aos pouquinhos, então é um episódio, daqui a pouco um por mês, daqui a pouco pode ser um por semana, vai aumentando.
Por isso a importância dessa constância, de duas a três vezes por semana, no mínimo seis meses para efeitos de diagnóstico.
Uma vez havendo essa suspeita, no caso de quem está nos ouvindo, ou já haver o diagnóstico firmado, a abordagem mais eficiente, sem dúvida, é a abordagem multidisciplinar: da mesma forma que as causas são várias, as abordagens de tratamento também.
Então tem que ter o acompanhamento de um profissional de nutrição, para realmente ajudar.
Aí entra muito — eu acho que é uma das pesquisas que a gente vai ter dentro de pouco tempo, eu não tenho dúvidas disso — o efeito da low-carb e do jejum intermitente, sobre episódios de compulsão.
Já tem muita coisas, sobretudo sobre o jejum, mas talvez não com tanto peso, assim, de qualidade e de evidência.
Acho que isso já está sendo gestado.
Mas a importância do profissional de nutrição, a importância, em alguns casos, de um profissional de medicina… porque em muitos casos a pessoa tem que fazer uso de medicação, que normalmente são antidepressivos que atuam na ansiedade, porque as coisas caminham juntas.
E sem dúvida um profissional de psicologia, a pessoa precisa fazer psicoterapia para ela aprender a lidar com as suas emoções, aprender a lidar com sua vida e com as coisas que fazem com que ao não ver e não encarar, ela busque “consolo”, ela busque essa forma de descarregar o seu sofrimento.
E é uma coisa muito cruel, assim, é um mecanismo perverso, porque num primeiro momento parece que tá havendo uma descarga e um alívio, mas depois o sofrimento é muito, muito grande.
A pessoa tem repulsa de si mesma, ela se julga fraca, ela realmente sofre muito, também pela doença, então ela tem motivações que às vezes são inconscientes, que a levam a ter esses episódios, a chegar a desenvolver esse quadro, e o ciclo de sofrimento fica perpetuado.
Ela sofre, ela tem que comer compulsivo, ela sofre porque ela comeu desse jeito, ela fica com vergonha, fica com repulsa dela mesma…
Daí ela vai lá e come de novo, e aí tá fechado o ciclo que é muito triste, né.
Vocês falaram em relação às origens.
A gente sabe que a família tem uma importância muito grande nisso, como é que os pais lidam com a alimentação, os cuidadores, enfim, das crianças.
Há muito pouco tempo atrás, neném bonito era neném gordo.
Não sei se é da época de vocês, mas eu me lembro de tinha propaganda de bebês, propaganda de fralda, de óleo, enfim, de bebê, eram uns bebês muito gordinhos, pareciam aquele bonequinho do Michelin.
E não há tão pouco tempo atrás, gordura era indicador de riqueza, de fartura e de saúde.
A gente via muito isso na Idade Média, e mesmo depois: os reis, as figuras todas, as obras de arte que a gente vê até hoje, aquelas mulheres rechonchudas, sinônimo de riqueza, de saúde, de fartura.
E a gente indo para a família: a gente vê, às vezes, que as crianças elas têm uma relação, já começam dentro da família com uma relação complicada com a comida.
Então às vezes os pais querem que as crianças comam determinadas coisas, mas eles estão comendo outras, e a gente sabe que a criança aprende muito mais por imitação do que por orientação verbal.
Não adianta… é o velho ditado: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Não vai funcionar.
Na educação é o contrário: a criança aprende por imitação.
Então, aquelas velhas histórias, de que eu ouvia pelo menos quando eu era menina: tem que comer até raspar o prato, tem que comer tudo…
Às vezes a gente vê as mães atrás da criança com um prato, a criança andando pela casa e a mãe com um prato atrás, para a criança comer de qualquer jeito, ou dão a comida para a criança, e a criança na frente da TV, distraída, com desenho “porque senão ela não come” — isso entre aspas gigantescas.
Então, acho que a relação das pessoas com a comida, ela pode começar de uma maneira muito atrapalhada desde o início, desde sempre.
E tem a ver com a própria história desses pais, dos cuidadores da criança, como é que eles lidavam com a comida.
A gente sabe que às vezes tem até famílias que incentivam a que se coma muito, como se fosse uma prova de afeto: “ah, tem que repetir para mostrar que gostou.”
Tem várias questões culturais aí, familiares que sem dúvida tem seu peso nisso.
Guilherme Revela Seu Trauma De Infância
Guilherme: Com certeza, Denise.
E de fato existe uma influência muito grande da família, é até uma coisa engraçada que acontecia na minha família, quando eu era criança…
Não sei se eu já contei isso publicamente aqui no podcast, mas vou contar.
Quando eu era criança, eu e a minha irmã tínhamos de comer tudo que tava no prato.
Se não comêssemos tudo, a gente tinha que ver um vídeo — uma fita VHS — que a minha mãe tinha.
Porque ela sempre gostou de apoiar várias causas e tal, de voluntariado, e uma das causas era uma ONG que levava alimentos para as crianças que passam fome no Sertão Nordestino.
Então, se a gente não comesse tudo, a gente tinha que ficar vendo filme das crianças passando fome ali, e ouvindo “ah, você não comeu, olha, eles estão dando graças à Deus quando chega o arroz, a cesta básica”, aquela coisa toda.
Então, são uns mecanismos e acontecimentos assim: depois ninguém entende por que as crianças crescem e têm problema com o peso, né. Porque também isso foi fomentado lá atrás.
Comida, Culpa, E Os Tempos De Outrora
Psicóloga Denise Lahutte: E essa “dupla CC” — a Comida e a Culpa — como eu brinco, é uma coisa que parece que é uma venda casada, também.
Da mesma maneira que a gente vê que, onde tem qualquer transtorno alimentar, tem um quadro de ansiedade ou quadro de depressão.
No caso do transtorno do comer compulsivo, que a gente tá falando, é o quadro de ansiedade muito marcadamente, mas também pode haver depressão.
A gente vê que tem algumas coisas que também vêm junto, por exemplo, dieta restritiva.
Se alguém me perguntar assim, qual é a antessala de um transtorno de compulsão alimentar? O que vem antes dela?
Eu vou dizer, com muita tranquilidade, uma dieta restritiva.
Essa que tu come pouquíssimas calorias, ou pouquíssima classes de alimentos, em que há muita privação, que as pessoas passam fome, ou que elas comem determinado tipo de alimento exaustivamente, até não poder enxergar mais.
É como se o excesso de proibição causasse no cérebro um gatilho, parece assim, tu te privou tanto e logo ali na frente tu vai ter que ser “recompensado” — e a comida não deve ser uma coisa de punição nem de recompensa.
E aí a gente para para pensar a nossa geração — eu sou bem mais velha que vocês — mas a geração dos meus pais, a geração dos meus avós, eu me lembro dos meus avós comendo sem pensar no que eles estão comendo, eles comiam.
Eu lembro de que meu avô tinha galinheiro, ele morava numa casa, mas que era quase um sitiozinho, ele tinha árvores frutíferas, tinha horta, tinha as galinhas poedeiras, e era aquela alimentação que eles faziam.
Minha avó cozinhava as coisas que vocês falam sempre, né, com banha de porco, e aí esses dias eu tava vendo até uma foto, dos anos 70, lá da minha infância, todo mundo magro na praia.
Não haviam esses óleos refinados, não havia essa quantidade desses óleos de girassol, milho, essas coisas, as farinhas refinadas, não se comia tanto açúcar, não havia essa abundância de alimentos industrializados, que tu entra hoje no supermercado e é um bombardeio.
E isso também é outra coisa, se a gente parar pra ver o quanto a gente é fisgado dentro do supermercado.
São sempre as mesmas coisas na altura dos olhos, ou com cores semelhantes, aquela marca que tu sempre compra, e nós sabemos na psicologia que o ser humano é um ser de hábitos, a tendência da gente é fazer sempre as mesmas coisas do mesmo jeito, e a gente resiste a mudar, então se tu vai sempre no mesmo supermercado, tu vai pegar as coisas que estão sempre na mesma prateleira, da mesma marca, e aí meio que se perpetua isso que eu tô falando.
E a mídia presta um desserviço grande também, a ditadura da magreza que ser bonita é ser magra, enfim, o conjunto da obra a gente vê que não é pouca coisa que bombardeia as pessoas em relação a isso.
Brasil: 13 Milhões De Ansiosos
A gente, por exemplo, sabe hoje os números da ansiedade do Brasil: o transtorno de ansiedade acomete 13 milhões de pessoas, 13 milhões e 200 mil pessoas, esse foi o último dado, que foi de janeiro deste ano.
Em Portugal, a ansiedade não é tão grande assim: em Portugal o que aparece mais é depressão, como nos outros países da Europa, é uma coisa interessante né.
A depressão é a terceira causa de doença do mundo, mas é a primeira causa nos países desenvolvidos.
E a previsão é que, para 2030, a depressão seja a primeira causa mundial de doença no mundo. Hoje já existem 165 milhões de pessoas deprimidas por ano na Europa, então o que tá acontecendo com a gente?
A gente tem que parar, eu penso assim, tu me perguntou sobre a psicologia, né, eu acho a psicologia extremamente necessária, eu acho que as pessoas estão se desconectando cada vez mais de si mesmas.
A gente sabe que existem várias e várias coisas que as pessoas podem fazer em nível comportamental para terem uma qualidade de vida emocional muito melhor, e elas ainda resistem em fazer.
Por quê?
Porque ainda tem toda uma cultura, da mesma forma que eu tava descrevendo a questão da formação médica, que é uma questão que não contempla a nutrição, e é eminentemente baseada em medicação, as pessoas estão esperando muito também um remédio.
Vocês veem isso tanto quanto eu, qual é o alimento da moda, qual é o remédio da moda, como é que se faz, o que eu tenho que comer para ficar magra?
Não há o comportamento sobre como lidar com a comida associado a isso.
A Busca Por Milagres E A Pandemia De COVID
Existe a busca por milagres, existe a busca pela salvação, de preferência que eu não tenha que fazer muito esforço, que eu de preferência tome um copo d'água no máximo uma ou duas vezes ao dia que resolva o meu problema.
Então, é como se nós tivéssemos numa época da vida em que as coisas vêm numa velocidade ultrassônica, a um click tá tudo ali, e isso dificulta que as pessoas se conectem com a própria natureza, com a própria essência delas.
Quem eu sou, o que tá acontecendo na minha vida, o quão feliz eu estou, que coisas eu gostaria de melhorar, o quanto esse trabalho que eu tenho me gratifica, o quanto eu estou aqui só porque eu preciso, porque eu preciso pagar minhas contas, ou quantas relações que eu tenho na minha vida são efetivamente de qualidade, o quanto elas estão aqui porque sempre estiveram e eu não penso muito sobre isso.
As pessoas estão com dificuldade de pensar as suas vidas, estão com dificuldade de refletir o seu fazer.
Elas fazem várias coisas, elas trabalham muito, cada vez mais, para não se conectarem consigo mesmas, para não sentirem, para não refletirem, porque refletir as torna muito distantes desse mundo maravilhoso que é vendido nas mídias, e pelos fabricantes de medicamentos, né.
A gente sabe que o país que mais consome Rivotril no mundo é o Brasil, é uma coisa assustadora.
Eu tava lendo ainda essa semana, que são vendidos um bilhão de comprimidos, tanto para ansiedade, quanto para dormir, para insônia, no Brasil.
E vários desses medicamentos não são mais vendidos na Europa, porque são precursores do Alzheimer; são medicamentos que podem levar a desenvolver Alzheimer, e a gente ainda tem eles sendo receitados no Brasil.
Então, eu acho que aí entra até a questão da pandemia, assim.
Eu acho que essa pandemia tá fazendo com que a gente se conecte com algumas coisas. A gente tá tão “parado” em casa, com menos distrações sociais, que a gente tá começando a refletir sobre algumas coisas que talvez a gente levasse muito mais tempo para refletir.”
Dentre elas, essas do tipo “o que eu tô fazendo”.
O que eu tô fazendo com a minha vida, o quanto a minha vida tá realmente me gratificando, o quanto eu me sinto feliz, satisfeito com as minhas escolhas, ou quanto eu simplesmente faço, faço, faço, faço, faço porque é isso que o mundo espera de mim, e é isso que eu tô acostumada a fazer.
Dieta Low-Carb Causa Compulsão?
Guilherme: Nossa, grandes reflexões, Denise.
E a gente falou de tanta coisa, abarcou tanta coisa nessa resposta, que um ponto que talvez tenha sobrado dúvidas para é quem tá iniciando na estratégia low-carb, numa estratégia cetogênica, mais baixa em carboidratos, é que você mencionou que uma” dieta muito restritiva em que você come só a mesma coisa pode desencadear compulsão”.
Na sua concepção, uma dieta low-carb, cetogênica se encaixa nesse critério? É um gatilho para compulsão? Como que funciona isso?
Psicóloga Denise Lahutte: Não, de jeito nenhum. É exatamente o contrário. Exatamente o contrário.
É interessante, as pessoas às vezes falam, “ah, eu não posso comer pão na low-carb“.
Até pode, mas não o pão que as pessoas estão acostumadas.
Às vezes elas têm a fixação em um outro alimento, e esquecem a gama imensa de opções que a low-carb possibilita, a riqueza da low-carb.
Eu não considero de forma alguma que a low-carb seja uma dieta restritiva e, ao contrário, eu acho que a low-carb consegue manter…
E aí entra a parte mais técnica de nutrição, que não é a minha, mas como eu trabalho muito com isso, obviamente que o conhecimento é compartilhado…
Ao não subir os picos de glicose e insulina, a pessoa consegue se manter mais no controle, que é exatamente isso que ela sente que ela perde quando ela tá na dieta restritiva.
É como se ela tivesse “nadando na arrebentação”. Não sei se essa imagem mental diz alguma coisa para vocês, mas quando a gente ia na praia, sobretudo no Sul, tinha aquela parte onde as eram muito fortes, e a gente nadava, nadava e nadava para chegar até ali, e quando conseguia chegar, a gente tava exausto, a gente não tinha nem vontade de seguir nadando, a gente queria voltar pra praia porque a gente já tava muito cansado, o esforço tinha sido tremendo.
E a dieta restritiva é isso: um esforço tremendo para um pequeno resultado.”
E o pior de tudo: além do pequeno resultado, ela proporciona esse efeito rebote que depois a pessoa vai acabar querendo comer muito mais, o metabolismo vai ficar completamente alterado.
E aí se entra nesse outro ciclo, de dieta muito restritiva, probabilidade grande de episódios de comer compulsivo, e uma coisa fica levando à outra, como se fosse um ciclo infernal.
E a gente viu o esforço das pessoas, eu vejo no consultório, o esforço das pessoas fazendo dieta a vida inteira, e comendo as coisas erradas, porque alguém inventou uma tal pirâmide alimentar, cuja base são os carboidratos, que não fazem falta alguma pra gente.
Mas até hoje parece que é meio que é o que ainda tá mais na boca do povo, vamos dizer assim.
E essas dietas restritivas — tem várias, toda hora tem, só pode comer determinado grupo de alimentos; teve a dieta da fruta, dieta de Beverly Hills, tem várias dietas.
É diferente de tu fazer uma dieta low-carb, de tu fazer uma dieta mediterrânea, que contempla vários alimentos, contempla boas gorduras, contempla boas formas de se manter nutrido, e contempla também essa questão da importância da proteína para nossa musculatura, enfim.
Eu não acho que, de forma alguma, a low-carb possibilite compulsão — eu acho que é exatamente ao contrário, eu acho que a low-carb é a saída.
E eu trago, posso trazer tanto a minha experiência como profissional, quanto como paciente também.
É impressionante o efeito quando eu estou fazendo a low cab bem bonitinha, que eu não tenho fome, que eu consigo trazer a minha alimentação muito mais tranquila.
Ou às vezes eu me esqueço de comer, coisa que é absolutamente impensável se eu tô comendo uma dieta mais tradicional, sobretudo com carboidratos.
Parece que quando tu tá comendo carboidratos, quanto mais tu come, mais tu quer comer, e uma sensação muito ruim de estar sempre com fome.
E aí, tem as questões biológicas também, que a gente não pode esquecer, né.
O quanto algumas pessoas, realmente, não têm tanto apetite, não tem tanta vontade de comer, e outras têm.
Nós não somos iguais, a nossa biologia ela não é igual, tem pessoas que podem passar por privações muito grandes e não sentirem maiores efeitos, enquanto que para outras pode ser um desencadeador que depois fica muito difícil fazer o retorno à normalidade, ou o que se deseje, enfim.
E essa coisa da medicina mais tradicional, comer de três em três horas, o quanto os médicos trazem isso ainda, infelizmente, colegas com quem eu trabalho ainda, que atendem pessoas que eu também atendo em psicoterapia, o quanto é difícil abrir a cabeça em relação à isso.
E, se a gente para para pensar, vamos para a evolução do ser humano.
Não precisamos nem pensar na evolução psicológica, vamos para a evolução biológica: quando é que o ser humano podia comer?
Quando havia comida, né.
Primeiro ele começou como coletor, juntando do chão as sobras de alimentos que os outros alimentos comiam, e se saciavam e abandonavam, comendo muitas vezes até carniça.
Depois ele conseguiu desenvolver alguma de forma de eficiência para caçar, e aí depois é que ele foi se fixar em tribos e desenvolver a agricultura, e tal.
Mas, evidentemente, a nossa evolução a gente deve à caça, a deve à proteína.
A gente não tinha frutas docinhas para comer, as frutas quando haviam eram como frutas silvestres, muito pouco doces.
Então, mesmo que a gente queira negar tudo, que alguns profissionais neguem tudo que já houve de pesquisas até agora, se a gente para para olhar para atrás, a quanto tempo a gente tem disponíveis esse tipo de alimentação?
Que eu nem consigo chamar de alimentação, né, que a gente vê dentro de embalagens coloridas nos supermercados.
Na minha infância não tinha tanto não, era muito pouca coisa, era muito mais do que vocês recomendam hoje com o trabalho de vocês, que é feira e açougue, do que qualquer outra coisa.
Tudo que a gente precisa está na feira e tá no açougue.
Jejum Intermitente Causa Compulsão?
Roney: Perfeito, Denise, você abordou um pouquinho à respeito da dieta low-carb, essa questão da compulsão, e eu queria perguntar então a respeito do jejum.
Porque tem muita gente que a gente fala à respeito de jejum, e o ponto da pessoa é que essa restrição de ficar tantas horas sem comer, poderia levar à compulsão alimentar. O que você vê a esse respeito?
Psicóloga Denise Lahutte: Eu acho que a estratégia low-carb é exatamente onde isso não acontece.
Se a gente tem uma dieta rica em carboidratos, as pessoas vão ter uma baixa de glicose, provavelmente, elas tenham um quadro de hipoglicemia em algum momento, e elas vão talvez se sentir fracas, se sentir tontas, e aí vai depender de cada pessoa, e talvez possa haver essa possibilidade realmente, de que haja episódios de compulsão alimentar.
A low-carb é exatamente o contrário, a gente começa a fazer jejum quando tu já está adaptado naturalmente, e vocês trazem isso com muita propriedade.
A pessoa quando já está bem adaptada na low-carb, e ela entra no jejum, é o contrário: ela come cada vez de uma maneira mais regrada, de uma maneira mais tranquila.
Não vejo qualquer possibilidade desse tipo de relação de causa e efeito dentro de uma dieta cetogênica ou low-carb, que o jejum cause compulsão alimentar.
Pena que a gente ainda não tem pesquisas de maior relevância científica para provar isso, mas os casos clínicos nos mostram a todo momento.
E é fácil, a gente pode fazer um… eu mesma fazer experimento comigo em relação a isso, e os pacientes que eu atendo também, que fazem com nutricionistas.
Obviamente que eu não prescrevo nada disso, eu não sou nutricionista nem médica, mas a gente via perfeitamente a diferença quando eles estavam fazendo um tipo de alimentação e quando estavam fazendo outro tipo, e quando tavam fazendo a low-carb, não tem qualquer relação, muito pelo contrário.
Eu acho que o jejum ajuda na compulsão alimentar, ajuda muito, e quando a pessoa vai comer, ela vai estar tranquila, ela não vai ter aqueles gatilhos causados pelos picos de glicose e de insulina, que esses sim levam, podem levar ao comer compulsivo.
Guilherme: Com certeza, e também, eu acredito que você se abster de comer por algumas horas, para quem se acostumou com dieta tradicional, comendo a cada duas ou três horas alguma coisa sempre, sempre, sempre…
Você de repente descobre que tem o super poder de ficar 16, 18, 20, 22, 24 horas sem se alimentar, e não ficar mal com isso, ressignifica um pouco essa questão do controle da comida: quem é que manda em quem.
Eu acredito que essa é uma jornada que muitos alunos nossos (por exemplo, do treinamento de jejum) acabam passando também.
A Pandemia E Seus Efeitos Psicológicos
E, Denise, mudando um pouquinho aqui de assunto, já que a gente falou de várias questões, inclusive de depressão, de ansiedade, de coisas que acometem a população do nosso mundo atual, a gente sabe também que grandes chances são de que efeitos mentais, efeitos psicológicos vão ser sentidos devido à essa situação atípica e única na história da humanidade, que estamos passando no ano de 2020, essa questão da pandemia, do isolamento.
Como que isso pode afetar o psicológico das pessoas, e mesmo a relação delas com amigos e familiares, ou consigo mesmas, com a alimentação, enfim?
Psicóloga Denise Lahutte: Isso é um grande questionamento.
A gente já sabe que está ocorrendo o incremento de muitos transtornos mentais, sobretudo transtornos de ansiedade e depressão.
Mas tem quadros clínicos já relatados de estresse pós traumático, sobretudo na região da China pra cá, onde inicialmente começou a pandemia.
A gente tá muito atento, tem toda uma estrutura de saúde aqui em Portugal, a ordem dos psicólogos portugueses, a própria Secretaria Nacional de Saúde, que eu acho que tá dando um suporte muito bom para a população.
Eu espero que no Brasil isso aconteça em algum grau também, mas a gente não tem como passar incólume por isso.
Infelizmente, os efeitos emocionais são semelhantes aos de uma situação de catástrofe natural ou de uma guerra, alguma coisa assim, que é uma privação muito grande.
O ser humano é programado para lidar com estresse pontual, então, assim, lá nos primórdios da nossa civilização, o nosso antepassado tava pelo campo, pela floresta e se deparava com um animal gigante, ou muito potente, muito mais forte do que ele e imediatamente entrava em ação o sistema luta ou fuga, aquela descarga de cortisol, descarga de adrenalina.
Ele rapidamente tendo que decidir o que ele ia fazer, se ele encarava o animal, um suposto predador ou se ele fugia, por considerar que ele não teria chances de sobreviver.
Essa descarga ela já era pontual, já acontecia bastante frequentemente, até mais de uma vez ao dia, mas não era o tempo todo.
E a gente tá numa situação agora de um estresse constante, essa incerteza o tempo todo.
E a gente ainda vê assim, aqui em Portugal eu acho que menos, mas no Brasil eu acho que isso tá mais marcado, a tremenda desigualdade social.
Então, assim, esses dias eu tava lendo uma matéria do Karnal onde ele dizia assim, que são três formas das pessoas lidarem com o tédio, ele falando do tédio.
A classe alta, muito entediada, tendo algumas perdas financeiras.
A classe média entediada, preocupadíssima com a sua questão financeira, se vai ficar sem trabalho, se vai continuar podendo sustentar a sua família.
E a classe muito baixa, sem nem poder se conectar com tédio algum porque não sabe se vai ter o que comer e dar para o seus filhos o que de comer na próxima refeição.
Então, isso é um estressor constante, um estressor que em alguns momentos ele aumenta, quando se tem uma notícia mais grave, com mais mortes, ou alguém próximo da gente que a gente ficou sabendo que teve COVID, ele vem em ondas mas ele não chega a abaixar de uma maneira substancial, esse estressor.
Ele está sempre presente e já se vão muitos dias, e não há previsão para que isso se encerre tão cedo.
Então se prevê que realmente possa haver um aumento significativo nos quadros de transtornos mentais, sobretudo desses que eu falei.
Quem tem transtorno de ansiedade tá, particularmente, mais exposto.
Imagina, uma pessoa que já é ansiosa ao natural, diante de uma situação dessas que gera ansiedade em todo mundo, ela tá muito mais ansiosa.
E aí entra a importância de a gente ter alguns controles né, diante do incontrolável, a gente não controla a pandemia, mas a gente controla o quanto entra da pandemia dentro de nós.
Eu sempre recomendo as pessoas assistir notícias no máximo uma vez por dia, de uma emissora ou de um site, enfim, que seja confiável, que seja sério, ou governamental.
Porque tem gente que liga a televisão num canal de notícias e fica o dia inteiro sendo bombardeado por aquilo ali.
E às vezes a pessoa tem por hábito fazer isso, e não se dá conta que tem outras pessoas na casa, inclusive às vezes até as crianças estão escutando aquilo o tempo inteiro: mortes, mortes, enterro, não tem remédio, não tem vacina, o dia inteiro, o dia inteiro, o dia inteiro.
É aquilo que eu falava da questão comportamental: as pessoas não controlam o que elas deveriam e poderiam controlar.
Não se controla a pandemia, a gente não pode escolher que ela vá acabar, mas a gente pode escolher o quanto a gente vai ser bombardeado por ela todos os dias, e isso é um precursor de saúde mental.
Tu poder se sentir no controle. Tu poder fazer essa escolha de ouvir apenas uma vez por dia, de preferência de manhã, acorda, começa o teu dia, enfim, te organiza, ouve as notícias do dia e vai trabalhar, e tenta não acessar mais, sobretudo, não acesse a noite antes de dormir.
[Nós falamos um pouco dessa importância do controle num podcast extra, escute abaixo]
A gente sabe que a qualidade do sono das pessoas, sono e alimentação são dois indicadores muito grandes de estresse, e de saúde mental.
E a gente sabe que eles tem sido, o sono das pessoas tem oscilado, a qualidade do sono tem oscilado muito durante a pandemia, da alimentação também.
Obviamente as pessoas estão tendo incremento na ansiedade e eu acredito que devem vir pesquisas por aí mostrando exatamente o aumento de transtornos alimentares; as pessoas estão bebendo muito, estão comendo muito, estão bebendo muito, buscando formas de escape, né.
E aí é que eu falava, lá no início da nossa conversa, o quanto a gente tem preciosidades que poderiam estar sendo melhor aproveitadas, e que as pessoas relutam porque não é a pílula mágica.
Por exemplo, qualquer momento que tu entra no Youtube, ou mesmo assistindo algum podcast, tu pode procurar meditação, pode procurar mindfulness; tu pode colocar músicas de piano, músicas de relaxamento e deitar, e respirar fundo.
As pessoas não estão respirando fundo, a ansiedade traz isso tão forte, que a respiração curta ela faz com que a pessoa fique mais ansiosa ainda, mas é a maneira como as pessoas estão conseguindo respirar.
Porque elas, de certa forma, elas querem resposta mágica, elas querem solução mágica, elas querem a pílula mágica.
Então quem consegue fazer Yoga, também tem vídeos.
Quem consegue respirar, trabalhar a respiração, a respiração abdominal, a respiração do Yoga.
Quem consegue ir lá botar um vídeo no Youtube e fazer aula de Yoga; quem consegue dar uma caminhada no final do dia, no início do dia, enfim, um banho mais longo, demorado, com uma água quente, caindo nos ombros.
Tem várias coisas inclusive que as nossas avós ensinavam, que estão voltando com muita força e que ajudam muito na manutenção da saúde mental agora.
Mas nem todo mundo tá conseguindo dar a devida importância para isso, talvez porque não tem a exata dimensão de que isso talvez dure muito, então assim, não vai ser semana que vem que a gente vai ter uma resposta.
Talvez a gente tenha que desenvolver outras estratégias para lidar com o que está acontecendo, que causem o menor dano possível para a nossa saúde mental, e isso envolve a adoção de comportamentos mais relaxantes, comportamentos de prevenção ao bombardeio de notícias, e coisas por essa linha.
Mas, resumindo a tua pergunta, eu não tenho dúvida de que já há um aumento muito grande nos quadros de transtornos mentais.
Já há um aumento de violência doméstica, as pessoas estão muito sobrecarregadas emocionalmente, e tem pessoas que realmente têm dificuldades no autocontrole, e não conseguem conviver de uma maneira mais saudável.
Estão havendo muitas separações.
Eu tenho abordado bastante isso no meu Instagram @psicologadeniselahutte.
Até comentei com vocês que não eu não costumava usar o Instagram e tal.
Comecei a usar mais, porque eu acho que é até uma coisa de utilidade pública a gente poder levar a qualidade de informação nesse momento.
O que é medo, o que é pânico, o que é normal eu sentir, o que não é normal eu sentir.
Em relação aos casais, qual é o trabalho de cada um dentro do casal, para a saúde mental do casal e da família.
Quais são os indicadores de que algo não tá bem, e o que eu tenho que fazer com isso.
Toda semana eu tô tentando trazer algum tipo de material porque eu acho que agora é hora de a gente fazer essa espécie de corrente do bem, assim, levar conhecimento.
Tem uma coisa chamada psico educação, que deveria fazer parte do currículo escolar, ao longo da vida escolar e que não faz, que é exatamente educar as pessoas sobre saúde mental. A criança pequena, quando ela tem um ataque de birra no supermercado, que ela possa entender o que é aquilo que ela tá sentindo, que emoção é aquela, se é raiva, se é frustração, se é medo. Que emoção é aquela?
A gente normalmente sente as coisas e a gente nem sabe direito o que é que está sentindo, e isso é origem do transtorno de compulsão alimentar também.
Não identificar o que está acontecendo e precisar de uma descarga absurda.
São pessoas que normalmente são queridas, amáveis, gentis, que não sabem dizer não, que têm grandes dificuldades de se priorizarem, que dizem sim para todo mundo e que chega uma hora que elas não aguentam. Elas entram num estado de exaustão mental tal que elas acabam descarregando dessa forma. Então, a nossa deficiência ela vem lá de trás. Ela vem lá, quando se faz… o casal engravida, né, tinha que está lá atrás esse início de formação, quais são as reações naturais de um bebê, que tipo de coisa tu tem que desenvolver com ele, como é que a medida que a criança cresce, como é que tu nomeia sentimentos, como é que tu lida com eles, que diferença isso faz, o que é adequado manifestar, o que não é adequado manifestar e por que; o que é socialmente reprimido e por que, é educação sobre a parte psicológica da gente, que fica completamente de lado.
E agora diante de uma crise tremenda como essa pandemia, essa conta tá chegando.
Então eu espero que apesar de todas as coisas ruins que estão acontecendo, e que a gente infelizmente vai ter que se confrontar, que essa parte de se conectar mais consigo e ver a importância de entender o que tá acontecendo dentro da gente, e as formas alternativas de lidar com isso também seja uma discussão que venha, que venha à tona, que venha à baila, e que se leve isso para dentro das famílias, que se leve isso para as escolas, que se leve isso para o máximo de gente possível, porque à medida que as pessoas se conhecem e elas conhecem entender o que está dentro de um quadro de normalidade, elas também vão poder identificar quando elas estão saindo disso.
Quando elas estão tendo indicadores de que a saúde mental delas pode estar comprometida, e elas vão poder buscar algum tipo de assistência de uma maneira mais inicial, mais precoce, e fugir dessa coisa de “ah, eu tô ansioso, eu vou tomar um remédio, eu vou tomar um ansiolítico; eu tô com insônia, eu vou tomar um remédio para dormir”.
Essa busca tão fácil, parece que agora ela não tá sendo eficiente, a gente tá tendo que se confrontar com a dor todos os dias; a gente tá tendo que se confrontar com o medo todos os dias, com as incertezas da vida todos os dias.
Isso é muito duro, isso é muito duro.
Bom vai ser se a gente puder tirar alguma lição disso e poder trabalhar nessa parte de prevenção e saúde mental, vai ser bom mesmo.
Pandemia, Filosofia E Psicologia
Guilherme: Com certeza, Denise. E eu acredito que você tocou em vários pontos valiosos aí, mas o que particularmente me chamou muito a atenção foi o ponto de retornar a algumas tradições antigas, seja o banho o quente que a avó falava, ou tradições de respiração como a Yoga, meditação, qualquer coisa assim.
Ou mesmo — e principalmente eu destaco essa, porque é uma filosofia com a qual eu simpatizo muito — a questão de a gente conseguir separar o que tá sob o nosso controle do que o que não tá, né.
Pessoas que gostam disso, dessa dicotomia do controle, que a gente aprende no estoicismo, elas conseguem ter um pouco mais de clareza sobre esse ponto.
“Não vou ficar inundando a minha mente, alimentando a minha mente com um monte de notícias negativas sobre as quais eu não posso fazer nada.
Em vez disso, eu vou focar no aqui e no agora, como que eu posso melhorar a minha situação, a minha família, como que eu posso ser uma pessoa mais gentil, ajudar alguém que tá precisando, exercer o meu trabalho da melhor forma possível, apesar das condições estarem abaixo do ideal”.
E, com isso tudo a gente consegue tirar um pouco dessa ansiedade, desse foco excessivo, muitas vezes, do que tá aí fora, do que vai vir, da imprevisibilidade do futuro, que sempre será imprevisível.
(Se fosse previsível todo mundo tinha visto essa pandemia surgindo em novembro do ano passado, e não quando ela aconteceu.)
E a gente tira um pouco dessa ansiedade, desse foco, e foca no momento presente.
Então, todos esses pontos são muito valiosos, e é o que você falou mesmo, se a gente conseguir de alguma forma, já que a situação já está aqui, consiga usar isso de alguma forma para a gente se aprimorar, para a gente sair dessa situação, dessa pandemia melhor do que a gente chegou, com certeza já vai ter sido um aprendizado. É algo enriquecedor.
Psicóloga Denise Lahutte: Sem dúvida, tomara que consigamos.
Eu acho que, como sempre, o ser humano tem as suas próprias características, e a gente sabe que as guerras, as revoluções e as pandemias despertam os dois lados, né.
Algumas pessoas têm despertado o que elas têm de melhor, e aí então a gente vê assim pessoas que são generosas, ficam ainda mais generosas; e as pessoas que são mais mesquinhas e mais egoístas, diante de situações de extremo teste, como uma guerra ou uma pandemia, elas ficam ainda mais mesquinhas e egoístas.
Então, é interessante a gente ver esse movimento, e é interessante a gente ver para onde isso vai nos levar.
Mas eu acho que a gente em as ferramentas, e acho quem quiser usar essas ferramentas vai usar.
É aquela coisa do livre arbítrio, do quanto a pessoa tá disposta, realmente, a entrar num processo de entender que se pode tirar muita coisa boa disso que tá acontecendo, apesar de toda dor.
Porque a dor tem essa característica, ela não é nunca uma dor pura, a dor ela sempre traz alguma coisa junto com ela, ainda bem… algum aprendizado, algum alento, alguma coisa que te faz refletir.
Um exemplo clássico disso é quando morre alguém na família, que a gente não esperava, ou mesmo que já estivesse acamada, não importa, mas morre alguém na família e são muitas as famílias que ficam muito mais unidas depois daquela perda, que parece que o amor por aquela pessoa que se foi serve meio que como uma cola, que faz com que as pessoas se reaproximem.
Mas o que eu tô querendo dizer com isso é o seguinte.
Nada é eminentemente ruim, e nada é eminentemente bom. Tudo tem a ver com a vivência da gente, com o que a gente consegue fazer com aquilo.”
E acho que essa é uma reflexão também: o que eu quero fazer com isso que tá me acontecendo?
Eu tô correndo para que passe logo, me livrar logo disso e seguir a minha vida exatamente como ela era antes?
Ou esses momentos todos que eu me vi forçada a estar trancada dentro de casa, com a minha família, isso serviu para eu ver a qualidade de relação que eu tenho; eu me aproximar mais, me reconectar com alguém com quem talvez eu não estivesse tão próximo.
Será que é só irritação e só frustração que isso tudo gerou, será que não houve nada que eu achasse realmente que eu poderia melhorar eu comigo — e não só apontando o dedo para o outro, e projetando no outro falhas que muitas vezes nem são dele.
Eu acho que as chances para a gente poder fazer esse, ter esse crescimento, elas estão aí, elas estão postas.
E aí vai ser da escolha de cada um, porque chega uma hora que não dá mais para negar, não dá mais para a gente negar o nosso medo, não para a gente negar a nossa dor, não dá para negar a ansiedade que tudo isso tá causando dentro de nós.
Dá para aproveitar isso e tentar ver quem eu sou.
Boa parte das separações que tem acontecido, tem muito a ver com isso.
As pessoas estão se questionando diante de tanta perda, de tanto ter que abrir mão de tanta coisa, até que ponto eu sou feliz dentro desse relacionamento, ou eu estou aqui porque estou a tantos anos, e nunca pensei muito sobre isso…
Então, tá havendo essa reviravolta assim, em algumas pessoas.
Não que a separação seja indicação para nada, mas a reflexão eu acho que tem que ser, a reflexão é bem vinda. Se pode recasar várias vezes com a mesma pessoa, “ah, o meu casamento não está bom, o que será que está faltando para ele ficar bom?
Será que a gente juntos ainda consegue?”
amos sentar e vamos tentar retomar, vamos estabelecer novas formas de convivência, vamos tentar nos buscar mais dentro do relacionamento, ter conversas de maior qualidade, ter prazer juntos, fazer coisas agradáveis juntos.
As pessoas estavam muito perdidas dentro de casa.
Sai para trabalhar o dia inteiro, volta à noitinha, come alguma coisa correndo, toma um banho e vão ver TV, como se fossem robotizados na frente do aparelho da TV.
Final de semana se distraindo, indo visitar amigos, saindo com amigos, visitando as famílias de um e de outro, e assim a vida ia sendo tocada.
E agora a gente tá quase que num cativeiro, a gente tá prisioneiros juntos, então isso também traz essa questão do olhar sobre o outro, olhar sobre a minha vida, o quanto eu tô feliz.
Quando eu sair daqui o que eu vou mudar, o que eu vou manter, o que me é caro, que até então eu não tinha prestado atenção que era tão importante assim… é muita reflexão, é muita mexida.
Para quem quiser refletir, para quem quiser ser mexido, não vai ser para todo mundo não.
Quais As Melhores Maneiras De Lidar Com Gatilhos
Roney: Com certeza, Denise. A gente falou bastante dos problemas, da ansiedade e tudo mais, e para a gente fechar fazendo um resumo, assim, quais as melhores abordagens para lidar com esses problemas, seja durante a pandemia, seja antes da pandemia ou depois dela, e também, como saber quais alimentos teoricamente são proibidos para uma pessoa ou para outra, aqueles alimentos gatilho, e como evitar ter esses gatilhos de compulsão?
Psicóloga Denise Lahutte: Só essa tua pergunta já dava quase outro podcast, mas assim, eu vou tentar resumir, eu vou tentar resumir.
Tem os alimentos riquíssimos em açúcar, né, que esses, obviamente, favorecem muito os episódios compulsivos.
Eles entram naquele ciclo que a gente falava antes, quanto mais come, mais quer comer porque acontecem os picos de glicose, consequentemente as descargas de insulina.
O que a gente sabe, assim, apesar do transtorno da compulsão alimentar ser multifatorial, a gente sabe que existem situações predisponentes.
Às vezes (e é uma situação que a gente nem falou) situações de abuso sexual, ou de crianças ou adolescentes abusados, podem desenvolver um transtorno de compulsão alimentar, e isso tem que ter um tratamento psicológico e às vezes psiquiátrico também.
E não tem outra forma, é muito sofrimento, a pessoa tem que poder ser ajudada por profissionais em relação à isso.
Mas, de certa forma, o que eu gostaria de deixar para as pessoas que estão nos ouvindo, é basicamente assim, não minimize os alertas que o seu corpo dá.
Quando a gente não consegue se conectar com sentimentos, se conectar com a gente mesmo, o corpo produz formas de notícia, então assim, está comendo de menos ou de mais, se está dormindo mal, e isso já é um indicador.
Um transtorno, como eu descrevi, que a pessoa come exageradamente, em menos de duas horas ela come muito, muito, muito mais do que qualquer pessoa normal comeria, come escondido e depois sente vergonha, sente culpa, isso tem que ser visto como um sinal, e como um sinal preocupante.
É um transtorno psiquiátrico, precisa de ajuda, então pode começar procurando uma nutricionista para ver a dieta, mas provavelmente não consiga ficar tratando só com a nutricionista. Tem que trabalhar a cabeça.
Quando a mente da gente não está junto com o corpo, a mente tá no futuro e o corpo tá no presente, as situações começam a aparecer, os problemas de saúde mental começam a aparecer, no caso de transtornos de ansiedade.
Quando a mente está no passado e o corpo está no presente, a gente sabe que normalmente são os quadros de depressão.
Então, a ideia qual é, é que a gente estabeleça objetivos realistas, que a gente não se exija tanto.
Se a gente tá num trabalho que a gente tá quase desenvolvendo uma Síndrome de Burnout, tanta coisa que a gente tem para fazer, que a gente pare e reflita, por que a gente tá precisando fazer aquilo.
Será que aquilo é o único trabalho que realmente a gente pode ter; tem culturas em que isso é incentivado e é quase como um valor?
Por exemplo, eu tenho muitos amigos em São Paulo que relatam isso, que para algumas empresas, isso esperam, que as pessoas trabalhem muito além do horário, fim de semana, no horário de almoço.
Todos os extremos são preocupantes, mas a questão das compulsões, e a questão do descompasso das emoções, elas caminham juntas, como agora a gente tá sentindo também.
É como se a gente tivesse sendo observados no microscópio, como se a gente tivesse vivendo numa situação de laboratório com a pandemia. Então, tudo potencializa.
Um transtorno de ansiedade muito potencializado, pode levar para um transtorno de compulsão alimentar? Pode, pode levar para um transtorno de ansiedade generalizada? Pode.
Então, apesar de a gente tá confinado, tem telemedicina, tem atendimento em terapia online.
A gente se conhece, a gente sabe o que é a média da gente, como é que a gente se comporta normalmente no dia a dia da gente.
Quando a gente sentir que tem alguma coisa que tá fugindo a esse padrão, se é que é um padrão mediano, razoavelmente bom, é importante que busque ajuda, não espere ficar muito mais acirrado; não espere ficar muito mais sério, porque aí o atendimento vai ter que ser outro, a abordagem vai ter que ser outra, vai ser mais sofrido, vai ser mais difícil.
Eu acho que é importante que as pessoas possam se conectar consigo e ver até que ponto elas realmente poderem estar em sofrimento, e buscar ajuda.
Não tem uma receita, assim, para a gente lidar com isso.
Mas tem sintomas que a gente até pode pensar um pouquinho, ah, eu vou observar um pouco mais, mas tem outros que não, e acho que esses sintomas que a gente vinha falando, dos episódios de comer compulsivo, se isso tá acontecendo de uma a duas vezes por semana…
Não espere, vai procurar um profissional da sua confiança, vai tentar tratar isso o quanto antes, porque a tendência é que fique muito pior, e é óbvio, quanto mais tempo, mais difícil, mais complicado e mais doloroso.
Hábitos Saudáveis Para O Corpo E A Mente
Roney: Sem dúvida, Denise, e acho que essa foi também uma ótima mensagem final para o pessoal que tá ouvindo a gente, e a gente queria saber quais são os seus hábitos saudáveis, que também é uma parte do podcast que o pessoal gosta bastante.
Psicóloga Denise Lahutte: Bom, como eu falei no início, eu faço low-carb, gosto.
Eu tô particularmente feliz com as receitas que eu aprendo com vocês, que eu tentava reproduzir, eu não sou muito boa de doce.
Eu cozinho muito bem salgados, doce eu tô aprendendo, tá sendo um desafio.
Uma das coisas que a pandemia trouxe também, eu tô ocupando o meu dia, quando eu não estou trabalhando, fazendo coisas assim, tipo cozinhar.
Agora acabei de comprar uma bicicleta, aqui onde eu moro é tudo muito plano, é perto da praia, a gente gosta de pedalar até a praia, ou caminhar.
Eu tenho, agora tô olhando pra ela aqui, a minha esteirinha de Yoga, permanentemente esticadinha na sala.
Então eu vou lá e me alongo, faço as minhas respirações; tenho feito ginástica hipopressiva, que é uma coisa que eu gosto bastante também.
Eu acompanho alguns podcasts de relaxamento e de mindfulness.
Acompanho um que eu acho muito interessante de Monja Coen, que eu não sou budista, mas eu gosto muito da maneira como ela trata as coisas, é uma coisa que me acalma.
Às vezes quando eu sinto que eu tô com o sono um pouco mais alterado, que eu acordo e não consigo dormir de noite, eu coloco lá minhas musiquinhas no piano, rapidamente eu volto a dormir.
As coisas que eu falava antes, que a gente aprende de forma comportamental, por tentativa, que dá certo pra gente.
Eu gostaria muito de deixar isso para os nossos ouvintes: a gente tem que testar.
Então, assim, a primeira vez que eu acordei três horas, quatro horas, eu não sabia como voltar a dormir, a minha cabeça estava a milhão, e lá um belo dia eu resolvi botar um podcast que é só música de piano, e fiquei escutando e dormi rapidamente.
E aprendi por tentativa que essa é uma forma eficiente para eu voltar a dormir se eu perder o sono.
E por aí vai, tentar se conectar mais com as coisas antigas, que não envolvem remédio, que não envolvem coisas artificiais, que a gente usa dentro da gente.
A gente tem uma máquina poderosa de produção de saúde física e mental, e a gente tem que aprender a conversar com ela, o que talvez sirva para vocês não sirva pra mim, mas eu tenho que experimentar, talvez sirva.
Ou daqui a pouco e vou descobrir a minha própria forma de fazer.
Mas eu noto que apesar de eu não estar podendo ir na academia, eu me sinto mais saudável agora, por incrível que pareça, porque eu tô fazendo exercícios, isso que nem eu tratei antes, de me desligar do excesso de notícias, de escutar coisas interessantes.
Outra coisa que eu faço muito é botar coisas engraçadas, bobagens, que a gente sabe que, tem uma pesquisa de Oxford muito interessante que traz que o riso faz com que baixe substancialmente a produção de cortisol, e suba a de endorfina, a gente engana o cérebro, não precisa ser um riso genuíno, verdadeiro.
Pode ser um riso fake, que tu finge na frente do espelho, olha que interessante.
Então, tu poder ver uma bobagem qualquer, poder dar risada, produzir as substâncias que o teu próprio corpo sabe produzir, a gente só tem que ajudá-lo, mostrando os caminhos. Eu acho que é por aí.
Como Acompanhar A Denise
Roney: Perfeito, Denise. E para quem quiser te acompanhar, quais são as suas mídias sociais, onde que você tá ativa onde você compartilha o seu dia a dia?
Psicóloga Denise Lahutte: Eu tô meio nova nisso, como eu conversei antes com vocês.
Eu tô com o meu Instagram @psicologadeniselahutte, onde eu basicamente compartilho, eu faço vídeos, um vídeo por semana, pelo menos, respondendo as perguntas que as pessoas me fazem.
As duas últimas semanas foram situações relacionadas a casais, casais com filhos e casais sem filhos.
Tô tentando ajudar como eu posso, basicamente pelo Instagram, eu não usava muito as mídias sociais, tenho um outro vídeo no Youtube, eu tenho que me dar uma incrementada nisso.
Mas eu é basicamente no Instagram, onde a pessoas vão poder se sentir mais ajudadas, que eu trato muito, de uma maneira muito presente, eu faço três posts por semana, sendo um vídeo e os outros cards de orientação e dicas bem práticas, bem pé no chão, como eu acho que as coisas têm que ser, para eu tentar ajudar como eu puder. E meu Instagram é @psicólogadeniselahutte.
Roney: Então a gente vai deixar o link aqui na descrição do podcast, para o seu Instagram.
E claro, também na transcrição completa deste episódio lá no site.
E, Denise, muito, muito obrigado pela sua presença, pelo seu conhecimento, pelo seu tempo, ficou realmente uma entrevista incrível.
Psicóloga Denise Lahutte: Ah, muito obrigada, foi um prazer imenso, eu sou fã de vocês, vocês já me ajudaram demais, vocês nem imaginam, quando eu tava muito perdida na low-carb, vocês foram o meu facho de luz no meu túnel, me ajudaram demais. Eu sou muito grata e me sinto honrada por estar aqui com vocês, muito obrigada.
Roney: Ah, que ótimo, a gente fica feliz em ter ajudado de alguma forma, e mais uma vez muito obrigado pela presença.
E também queria aproveitar para agradecer aos Tanquinhos e Tanquinhas que nos escutaram até aqui: muito obrigado por sua audiência.
Se você gosta dos nossos episódios, das nossas entrevistas, então se inscreva no podcast.
A gente está por todos os players de podcast, é só procurar por podcast do Senhor Tanquinho que você vai nos encontrar.
Ou clique abaixo para nos acompanhar no seu player favorito.
iTunes | Google Podcasts | Stitcher | Spotify | YouTube
A gente solta episódios novos todas as semanas, duas vezes por semana.
E para você não perder o próximo, é importante que você se inscreva.
A gente se fala no próximo episódio.
Um forte abraço do Senhor Tanquinho.