No mundo da nutrição, uma das recomendações mais comuns está relacionada à necessidade de “comer de 3 em 3 horas” – e por uma série de supostos motivos, que vamos mencionar abaixo.
No entanto… e se isso fosse mentira?
E não estou falando de apenas um dos motivos: neste artigo, vou apresentar os 4 principais motivos citados pelas pessoas (até mesmo nutricionistas e profissionais de saúde de outra forma brilhantes) para darem essa recomendação.
E, além de apresentar essas supostas “razões”, vamos trazer as evidências científicas que mostram que cada uma delas está errada.
Comprovando, assim, os reais motivos pelos quais a instrução de comer de 3 em 3 horas não passa de um mito há muito propagado.
Observação: Como muitos leitores têm pedido referências científicas (e isso é bom! Porque mostra que muitas pessoas estão se interessando cada vez mais pela sua saúde) – especialmente em artigos polêmicos, como o texto sobre os mitos da carne ou sobre o consumo do álcool em dietas – optei por colocar algumas ao longo do texto.
Mas não se preocupe caso não goste de ler os artigos originais: eles fornecem boas evidências para os pontos apresentados, mas não são de maneira nenhuma essenciais para a compreensão deste texto.
Afinal, tentei deixar o conteúdo bem acessível, de modo que todos possam se beneficiar desse conhecimento.
Então, sem mais delongas, vamos aos mitos!
Conteúdo do post:
Infográfico Resumo
Se você não estiver com tempo agora de ler o texto completo, esse infográfico poderá lhe fornecer as principais informações do post de maneira resumida.
Clique na imagem acima para visualizar o infográfico completo.
Mito #1 – Comer De 3 Em 3 Horas Acelera O Metabolismo
A origem do mito:
Cada vez que você come, o seu metabolismo fica um pouco mais acelerado por algumas horas.
Isso porque o processo de digestão e absorção dos nutrientes dos alimentos necessita de energia para acontecer.
A isso damos o nome de Efeito Térmico dos Alimentos (mencionamos isso num texto sobre bebidas alcoólicas, lembra?)
Então, o raciocínio que embasaria esse mito é o seguinte: se, cada vez que me alimento, meu metabolismo sobe, basta comer com mais frequência para que ele fique mais acelerado, certo?
ERRADO!
Errado porque esse raciocínio ignora um fato importante: o de que a elevação do metabolismo proveniente da alimentação é proporcional à quantidade de calorias e nutrientes ingeridos.
Ou então, usando um exemplo para explicar:
Imagine que nós queiramos medir o Efeito Térmico dos Alimentos por um período de 24 horas, dado que a dieta seja a mesma. No caso, vamos considerar uma dieta de 3000 kcal, composta por 40% de proteína, 40% de carboidratos, e 20% de gordura – porém, em dois cenários distintos.
No primeiro, dividimos essa alimentação em 3 refeições de 1000 kcal enquanto, no segundo, dividimos ao longo do dia em 6 refeições de 500 kcal. Como fica o efeito térmico nesse caso?
A imagem abaixo ilustra bem esse conceito:
E, nela você pode notar que o gráfico laranja têm 6 picos, enquanto o verde têm apenas três…
Porém, esses três picos são mais altos que os picos laranja, de modo que o valor médio de ambas as linhas é igual.
Além de traçar o gráfico, também separei esta extensiva revisão de estudos, publicada em 1997 e que examinou diversas frequências de alimentação – apenas para provar que, de fato, não há vantagens do ponto de vista de gasto calórico em distribuir mais ou menos as refeições ao longo do dia.
E vale dizer que, desde a publicação desse estudo (já há bons 18 anos) nenhum outro estudo o refutou.
E, apenas para completar, em 2010 foi publicado outro estudo e adivinhe: também não foram encontradas diferenças entre menos (3) ou mais (6) refeições no dia.
A parte boa desse estudo é que ele ganhou alguma atenção da mídia de massa, virando até tema de um artigo desbancando esse mito no New York Times.
Isto é: se o motivo de comer de 3 em 3 horas fosse a elevação do metabolismo, já faz tempo que esse argumento foi por água abaixo.
Mito #2 – Comer Refeições Menores E Mais Frequentes Ajuda A Controlar A Fome
A origem do mito:
A verdade é que, dada a importância – tanto do ponto de vista científico quanto pela quantidade de dúvidas da população – de se encontrar um padrão alimentar que seja ideal para controlar a fome, existem pouquíssimos estudos a esse respeito.
Um dos poucos disponíveis tem o seguinte arranjo:
Foram selecionados alguns homens, obesos, e os alimentaram com 33% de seu requerimento calórico diário, de uma das duas formas:
- ou em uma única refeição, e 5 horas depois eles poderiam comer à vontade;
- ou em 5 refeições pequenas, uma a cada hora, e depois comeriam à vontade.
Nos resultados, observou-se que os integrantes do primeiro grupo comeram 27% mais calorias na refeição “à vontade”.
Os mesmos pesquisadores fizeram um estudo desta vez com homens em forma, e obtiveram resultados similares.
Ah… com isso fica provado que as refeições menores e mais frequentes realmente diminuem o apetite, certo?
ERRADO!
Os resultados mostram que, para aquela composição de macronutrientes, refeições menores e mais frequentes realmente diminuem o apetite, comparadas com uma única refeição e um jejum de 5 horas.
O problema é que a composição da alimentação usada no estudo não faz o menor sentido no mundo real – especialmente num contexto de dieta.
A refeição era composta por 70% carboidratos, 15% gorduras e 15% proteína; fornecidas como macarrão, sorvete e suco de laranja(!).
O que você acha do índice glicêmico dessa refeição? Você comeria uma dieta baseada apenas nesses alimentos?
Em contraponto, foi feito outro estudo, mais recente com condições mais realistas, e adivinhe: ele mostra o oposto.
Nele, três refeições com alto conteúdo proteico provocaram mais saciedade e menos fome do que seis refeições com a mesma composição.
E vale observar que uma alimentação focada em perda de peso é bastante facilitada por uma dieta mais rica em proteínas e gorduras e com menos carboidratos.
Isso ocorre tanto pela possibilidade de induzir cetose quanto pela ingestão de macronutrientes que proporcionam maior saciedade. (Explicamos a influência dos macronutrientes na sensação de saciedade neste texto).
Ou seja, as condições do segundo estudo estão muito mais próximas do contexto de alimentação da vida real do que daquele primeiro – isto é, quem fica comendo sorvete e suco de laranja de hora em hora estando numa dieta para emagrecer?!
Ainda assim, preferimos deixar clara nossa recomendação: a frequência de alimentação preferida varia de pessoa para pessoa, e isso é fato.
O que queremos desmentir são informações absolutas do tipo: “para controlar o apetite, é sempre melhor comer refeições menores e mais frequentes em vez de refeições grandes e menos frequentes”.
Sendo que um estudo como o citado acima só vem para destruir ainda mais esse tipo de ilusão e “verdade absoluta”.
Ou seja, mais um mito destruído.
Mito #3 – Comer De 3 Em 3 Horas Ajuda A Manter A Glicemia Sob Controle
A origem do mito:
Boa pergunta!
A não ser em pessoas com um nível relativamente elevado de resistência a insulina, não deve haver nenhum efeito associado a hipoglicemia causado por jejuns de duração adequada – isto é, somos programados para ficar muito bem, obrigado, mesmo com 24 horas de jejum.
Mas eu sempre sinto hipoglicemia quando fico sem comer por algum tempo, então deve ser verdade essa afirmação, certo?
ERRADO!
Se sentimos algum efeito negativo com um jejum desses, é justamente porque nosso corpo se acostumou com refeições frequentes e está num estado de glicólise constante.
Ao contrário do que muitos parecem acreditar, o corpo possui mecanismos de controle extremamente robustos para variáveis importantes da nossa saúde – dentre elas, o nível de açúcar no sangue.
Para facilitar o entendimento, pense por um segundo nos nossos ancestrais.
Você acha que eles comiam de 3 em 3 horas?
Como períodos de jejum e de escassez de alimentos eram constantes, se eles se tornassem incapazes de agir eficientemente – e digo tanto com a mente quanto com o corpo – onde você acha que estaríamos hoje?
E vamos pensar num cenário um pouco mais extremo:
O que você acha que aconteceria se você ficasse 23 horas em jejum, e depois corresse por 90 minutos?
Como será que ficariam seus níveis de glicemia comparados ao de alguém que se alimentou normalmente e depois correu?
Felizmente, não precisamos imaginar muito: porque este estudo mostra que eles provavelmente ficariam iguais.
(Claro que há outras consequências, como a elevação do lactato, e uma maior utilização de gorduras quando em jejum – mas a glicemia, que é o ponto debatido neste mito, ficou igual.)
E mais um estudo bônus para você: agora mostrando que um jejum de 48 horas não trouxe nenhum declínio na capacidade cognitiva das pessoas testadas.
Sim, quarenta e oito horas.
Por outro lado, existem outros fatores que influenciam a regulação do apetite, como sua dieta habitual, sua rotina de exercícios, e até mesmo sua genética.
Ainda assim, não é menos importante considerar sua própria frequência habitual de alimentação, porque existe relação direta entre ela e hormônios – como, por exemplo, a grelina.
Basicamente, a implicação disso é sua glicemia acompanha os horários em que está acostumado a comer – e também por isso, você tem fome nos horários de hábito.
De modo a exemplificar, considere a seguinte situação.
Suponha que você estava acostumado a almoçar, digamos, às 14 horas todos os dias, e de repente sua rotina muda (por exemplo, você muda de emprego) e a partir de agora tem de se alimentar ao meio-dia.
Nos primeiros dias, você não vai sentir apetite nesse horário – e talvez até fique com fome mais tarde, por não ter comido direito no almoço.
Porém, após umas poucas semanas, você vai ter se acostumado a se alimentar ao meio-dia.
Tanto que, quando der 11h50min, já vai estar salivando de fome! É um exemplo simples, mas que serve bem para ilustrar o ponto.
E isso é relevante porque significa que as pessoas podem se adaptar rapidamente a novos padrões alimentares sem sentir nenhum efeito negativo…
…Inclusive padrões com menos refeições.
Mito #4 – Se Eu Não Comer De 3 Em 3 Horas Vou Catabolizar E Destruir Massa Muscular
A origem do mito:
A verdade é que as pessoas adoram exagerar.
No caso, houve uma completa extrapolação de um fato simples: se você ficar muitas horas sem comer, você irá queimar músculos como fonte de energia.
Logo, não posso ficar mais de 3 horas sem comer, porque meu corpo vai destruir todos os músculos que suei tanto para ganhar… certo?
ERRADO!
O fato é que, se você ficar períodos prolongados de tempo sem se alimentar, seu corpo vai usar músculos como forma de energia (num processo chamado de “gliconeogênese”). Isso é fato.
Porém, a distorção se refere quanto ao que seriam “períodos prolongados de tempo”.
Enquanto alguns supostos marombas de hoje em dia associam 3 ou 4 horas como um período prolongado, os estudos já realizados indicam que a janela de tempo considerada é da ordem de 16 a 28 horas – isso se o glicogênio muscular já tiver sido depletado antes.
Ou seja, é como se você tivesse de ficar de 16 a 28 horas sem comer, após o treino, para que parte significativa da sua energia consumida viesse do tecido muscular (parte significativa = 50% no caso de 16 horas e 100% no caso de 28 horas).
Claro, não recomendamos a ninguém que fique 28 horas sem se alimentar após um treino intenso…
E, mesmo com alguns benefícios alegados na resposta à ingestão proteica após o treino em jejum, também não é nossa recomendação padrão o treino anabólico após muitas horas de jejum.
Por outro lado, ingestão de alguns gramas de BCAA logo antes do treino podem contrabalançar quaisquer prejuízos que pudessem ocorrer ao se treinar num estado de jejum.
Como contraponto, um estudo interessante (cujo resumo pode ser visto aqui) foi publicado no American Journal of Clinical Nutrition, em 2007, no qual pessoas completamente normais (saudáveis, de peso normal, e de meia idade) foram dispostas em dois arranjos distintos.
Em um, comiam uma refeição ao dia (jejum de 23 horas diário); enquanto no outro comiam 3 refeições ao dia, durante 8 semanas.
Surpreendentemente para alguns, os indivíduos do primeiro grupo passaram por uma recomposição corporal significativa, inclusive reduzindo drasticamente seu percentual de gordura corporal, sem perda de massa magra (na verdade, com um ganho sutil de massa muscular)… e isso tudo com a mesma ingestão calórica – apenas comendo com menos frequência!
(Ainda assim, me sinto na obrigação de deixar como ressalva que a medição foi efetuada por bioimpedância, um método notadamente propenso a imprecisões).
Resumindo, a lição aqui é: claramente comer de 3 em 3 horas não vai melhorar em nada seu ganho de massa muscular, e muito menos evitar o catabolismo.
Não caia nessa farsa.
O que queremos ressaltar é que você deve apenas quando tiver fome, sem se apegar ao relógio.
Se tiver fome a cada 3 horas, coma a cada 3 horas. Se não tiver, não coma. Simples.
Inclusive, muitas pessoas partem na direção contrária para ter resultados: o jejum intermitente – leia mais aqui.
O assunto também foi amplamente abordado por 3 especialistas na área (Dr Souto, Rodrigo Polesso, e o canadense, Dr Jason Fung) neste podcast gratuito.
Mas então…se tudo isso é verdade, por que a falácia sobre a necessidade de se comer de 3 em 3 horas continua a ser propagada?
Esta pergunta não é trivial. Mas podemos imaginar 3 principais motivos:
#1 – Repetição
“Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade.”
Já ouviu essa frase?
Embora não se saiba ao certo quem é o autor dessa famosa citação (que muitos acreditam ser de autoria de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha nazista), o fato é que as pessoas tendem a acreditar em coisas que escutam com frequência suficiente.
Além disso, o fato de que fisiculturistas e celebridades fitness costumam propagar esse tipo de mito contribui para um viés de aceitação muito maior – afinal, as pessoas tendem a pensar que, “se essas pessoas que estão em forma fazem isso, então deve funcionar mesmo”.
Por isso, sugiro que leia com atenção essa citação do Doutor José Carlos Stumpf Souto, autor do blog Dieta Low-Carb Paleolítica:
“Pessoas geneticamente magras e/ou fortes convencem aos outros E A SI MESMOS de que o fato de terem nascido premiados pela loteria genética não é o responsável por sua aparência excepcional, e sim o método que promovem e vendem.
A Gisele Bündchen é do jeito que é, não por causa do que come, mas APESAR do que come.
Corredores do pelotão de frente da maratona são magros não porque correm maratonas, eles correm maratonas porque são geneticamente esguios e rápidos.
Jogar basquete não faz seu filho crescer, jovens altos é que são selecionados e estimulados por esse esporte.”
Faz sentido?
E é também justamente por isso que muitas celebridades fitness (especialmente aquelas que nunca passaram pelo outro extremo – isto é, de ser gordas) simplesmente não conseguem reconhecer o tipo de pensamento e os laços emocionais com a comida e o corpo que muitos de seus leitores sentem, bem como a necessidade de planos que levem isso em consideração e minimizem erros. Por exemplo, o dia do lixo – que, como falamos, apresenta um forte componente de alívio psicológico que aumenta as chances de sucesso na dieta.
#2 – Interesses Financeiros
Para a maioria das pessoas, não é nada prático comer de 3 em 3 horas.
Especialmente se essas pessoas estiverem tentando se livrar de uns quilinhos a mais, e por isso focando em fazer lanchinhos saudáveis…
E adivinha quem ganha com isso?
Exatamente: empresas que fabricam suplementos, barrinhas de cereal, barrinhas de proteína, bolachas integrais, e muito mais.
Afinal, que mercado elas teriam se todo mundo descobrisse que só precisa comer quando tem fome, sem seguir uma agenda predefinida no relógio?
(Eu pelo menos não conheço ninguém que comeria barrinhas no jantar…)
Ou seja: não existe nenhum incentivo comercial e financeiro em dizer às pessoas que elas ficariam bem só com as refeições principais do dia.
#3 – Conhecimento
É polêmico discordar de um dos pilares da chamada “nutrição de massa” – isto é, aquela que é difundida em publicações sem referencial realmente científico, mas que justamente por isso é o tipo de leitura mais consumida por leigos que estão sinceramente interessados em viver com mais saúde.
Sejam revistas, sites ou até mesmo nutricionistas (que eu acredito que estejam bem-intencionados, mas que às vezes apresentam conceitos defasados como esse) – a recomendação mais usual continua sendo a de comer de 3 em 3 horas.
E vamos ser sinceros: a pessoa leiga provavelmente nunca vai ter acesso aos estudos que acabamos de ver, e que jogam por terra esse antigo mito (ainda mais se considerarmos que a maior parte dos estudos relevantes está disponível em inglês).
Ao mesmo tempo em que existem profissionais ótimos e que propagam o que há de mais avançado em termos da Ciência da Nutrição, também observamos alguns que se limitam a repetir como dogmas algumas ideias ultrapassadas – como a ideia de comer de 3 em 3 horas.
É uma pena.
Mas esperamos, com o Senhor Tanquinho, fazer nossa parte para informar um número cada vez maior de pessoas a respeito dos fatos – e que as pessoas, de posse destes, possam fazer as escolhas que julgarem mais adequadas para suas vidas.
E que possam comer apenas quando quiserem. =)
Eu preciso do link das fontes desses estudos, pois preciso adicionar em minha defesa. Por favor.
Olá Samuel, tudo bem?
Os estudos estão todos dispostos ao longo do artigo, basta clicar sobre os links azuis para abrir as referências.
Forte abraço.